Regulamentação das práticas prostitutivas ou Criminalização do Cliente?

Para mim é impensável falar de prostituição sem antes falar de tráfico de seres humanos (TSH), fenómeno que se destina maioritariamente a explorar sexualmente mulheres e crianças.

O TSH sustenta-se na desigualdade de género, na feminização da pobreza, na fragilidade do estatuto socioeconómico e cultural das mulheres em diversas sociedades, na desigualdade de acesso ao emprego e à propriedade, nos fatores inerentes à sobrevivência das famílias e na tolerância relativamente à violência contra mulheres. Fruto destas características, as mulheres são envolvidas com maior facilidade nas teias do TSH, acreditando nas propostas que lhe são feitas por quem se aproveita da sua vulnerabilidade para obter lucros, sem olhar a meios. A par disto, as crianças também são o grupo mais visado, por razões idênticas e por serem mais facilmente controláveis.

Muitas mulheres aceitam o convite para o mundo da prostituição porque não sabem que também lhes vai ser vendida a liberdade. No caso do TSH para fins de exploração sexual, o elevado grau de ocultação e de complexidade do fenómeno, associado a uma cultura ainda patriarcalmente dominante de ideias pré concebidas e estereotipadas relativamente às mulheres, têm vindo a revelar-se como barreiras muito difíceis de transpor. O próprio protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas assinado por inúmeros Países de todo o Mundo intitula-se “Protocolo adicional contra a criminalidade organizada transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças”porque a caracterização sócio-demográfica deste fenómeno, tendo em conta os novos dados e numa análise de género, demonstra que mais 88% das vítimas de TSH são do sexo feminino e cerca de 12% do sexo masculino.

Veja-se também que devido ao problema subjacente à prostituição e aos preconceitos a ela inerentes, este protocolo veio considerar que o consentimento da vítima em prostituir-se é totalmente irrelevante se o traficante tiver usado para a cativar de, nomeadamente, meios fraudulentos, abuso de autoridade ou da sua situação de vulnerabilidade. Ou seja, mesmo que alguém dê o seu consentimento no exercício da prostituição, tal não reconduz à ausência de tráfico. Ademais, as condições a que a mulher, ou criança, podem estar sujeitas no exercício da prostituição, podem conferir-lhe o estatuto de vítima, independentemente da circunstância do uso ou não de força por parte do traficante.

Entenda-se que as mulheres traficadas são normalmente colocadas a prostituir-se em bares de alterne, apartamentos, ruas, clubes, casas de massagem e convívio, agências de acompanhamento, encaixando-se nos espaços já definidos como normais para a prática destas actividades. Assim, aos olhos de quem pensa que perante si está uma mulher que se prostitui livremente, pode estar, antes, uma mulher que perdeu a sua autonomia da vontade, a sua liberdade. Não são raros os casos! Nessa medida, quem as vê nessa situação não as identifica como vítimas. Donde, mais dificilmente são detetadas. Por outro lado, estas mulheres são as primeiras a esconder a situação real. Todos estes motivos levam a que o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual seja em regra um fenómeno clandestino, cerrado e complexo, cujo maior conhecimento implica, em grande medida, uma abordagem multidisciplinar e conhecedora do problema em causa.

Veja-se que são traficadas anualmente mais de 800 mil pessoas (maioritariamente mulheres e crianças). Este crime é considerado uma das actividades mais lucrativas do Mundo, chegando a atingir os 32 biliões de dólares anuais, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A maioria das prostitutas (62%) são vítimas de tráfico para exploração sexual, sendo que as mulheres e raparigas menores de idade representam 96% das vítimas identificadas e presumidas. Também a prostituição e a prostituição forçada são um fenómeno de género, com uma dimensão geral que engloba cerca de 40 a 42 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo a maioria mulheres e raparigas menores de idade e quase todos os clientes homens. Esta situação é, simultaneamente, causa e consequência da desigualdade de género, contribuindo para o seu agravamento.

Posto isto, a aceitação da prostituição por parte das mulheres coloca-as muitas vezes em situações de extrema vulnerabilidade, mais do que aquela que as faz ter de optar por essa vida. Porque vulneráveis elas já o são, quando aceitam prostituir-se.

Em Portugal, desde o ano de 2007, o cliente que souber que a sua prestadora de serviços sexuais, foi traficada, é punido de 1 a 5 anos de prisão, nos termos do art. 160, n.º6 do Código Penal. Contudo, a prova de que o cliente sabia é obviamente difícil de obter! Não conheço sequer um único caso em Portugal desta natureza. A Finlândia também criminaliza os clientes de vítimas de tráfico, tal como nós.

Na Nova Zelândia, na Suíça, na Alemanha e na Holanda a prostituição foi legalizada e a atividade é regulada como trabalho, com obrigações fiscais e contribuições para a Segurança Social.

Mas nem por isso houve nestes Países redução dos comportamentos agressivos dos clientes em relação às prostitutas, porque a agressão não se relaciona com a legalização mas sim com as práticas próprias da prostituição. Nem por isso se passou a fazer uso do preservativo porque o “não uso” está relacionado com a prática da prostituição e por isso a legalização não o consegue impor. O consumo de substâncias psicotrópicas e álcool por parte das prostitutas não baixou, porque estes consumos são consequência da prostituição e não desapareceram por via da legalização. Também não se vislumbra que as prostitutas tenham acedido mais ao sistema de saúde pelo facto de o seu trabalho se encontrar legalizado, porque o sistema de saúde já as acolhia antes.

Atualmente, em Portugal, qualquer pessoa, independentemente da sua profissão, pode deslocar-se ao seu centro de saúde e ser atendida, pelo que as prostitutas não estão excluídas do sistema de saúde, tendo inclusive (como toda a população Portuguesa) direito a planeamento familiar e todo o tipo de contracetivos gratuitos. Também se pretenderem abrir atividade nas finanças como prestadoras de serviços, o nosso sistema fiscal permite e até agradece. Mas provavelmente não terão clientes a pretender recibo, nem a querer dar o seu NIF!

Portanto, legalizar serviria para quê, exatamente? De facto, ainda não consegui perceber.

Para mim, quando falamos em legalizar a prostituição, outros valores mais altos têm de levantar-se! Legalizar uma prática que coloca as mulheres já vulneráveis na mais extrema das vulnerabilidades, à mercê das agressões dos seus clientes e da doença? Tal não me parece ser merecedor de tutela. Querer legalizar uma prática que não queremos como prática de vida para os nossos entes mais queridos? Parece-me uma ideia hipócrita.

Sabemos que na Holanda, chamado País da liberdade, é onde existe o maior foco de TSH do Mundo, com mulheres e crianças fechadas dentro de montras de vidro, mostrando-se aparentemente autónomas mas totalmente manietadas.

Na realidade, as mulheres e crianças que se encontram na prostituição têm, ou tiveram, várias coisas em comum: a vulnerabilidade social, a pobreza, o nível escolaridade baixo, antecedentes familiares de maus tratos, negligência e abuso sexual. Não pode por isso ser visto apenas como uma questão de escolha – acredito que seja mais uma “não escolha”. E mesmo as chamadas “acompanhantes de luxo”, mesmo essas que se vestem para dar a ilusão de que pertencem ao mesmo extrato social que o cliente, depois de chegarem a essa vida, se pudessem, acredito que a maior parte delas gostaria de poder desistir. Só que a própria sociedade faz com que não encontrem alternativas, e por isso dizem que a prostituição é a “profissão mais antiga do mundo” e “não pode deixar de existir!”

Existem de facto mulheres que garantem ser prostitutas por sua livre opção. Mas acredito que estas sejam uma minoria e por isso não devemos deixar de proteger as que realmente precisam e que são a maioria. Nem devemos tão pouco deixar de lutar por um Mundo que não seja tolerante à violência contra as mulheres e crianças. As que querem ser profissionais do sexo podem continuar a prostituir-se, independentemente da criminalização do seu cliente, pois devem ter uma estrutura suficiente para os defender.

Quanto às restantes, o Estado tem o dever de criar mecanismos para a sua integração no mercado normal de trabalho e tem de promover a redução sistemática da procura da prostituição. A redução da procura deve fazer parte de uma estratégia integrada de luta contra o TSH e acredito que pode ser alcançada através de uma legislação que puna quem compra serviços sexuais.

As vozes que se levantam contra – e são muitas! (o assunto é demasiado fraturante, mesmo no seio das feministas europeias) – argumentam que a criminalização do cliente coloca ainda mais em risco as prostitutas, que vão, por via disso, passar a ser forçadas a recorrer a sítios mais recônditos para se prostituírem, para que o cliente não seja encontrado. E desta forma ainda vão ficar mais desprotegidas, porque o cliente vai poder agredi-las ainda mais, porque se encontram mais escondidas! Ora, este argumento encerra em si uma tolerância à violência que me arrepia. E, fazendo o paralelismo com a violência doméstica, eu também sei que a vítima vai passar a estar mais vulnerável e a correr maior risco de vida quando denuncia o seu agressor. Mas nem por isso deve deixar de o denunciar. Tem é de criar-se uma rede de apoio suficientemente eficaz para que o perigo não aconteça! E neste caso há a vantagem do agressor (cliente) não viver com a vítima (prostituta) na mesma casa, nem terem filhos em comum.

Na Suécia, na Islândia e na Noruega o cliente é criminalizado e toda a prostituição é encarada como uma violação dos direitos humanos. Já no final do ano 2013, a França aprovou um projecto-lei que prevê uma multa de 1500 euros para os clientes da prostituição. Desde então, aumentou a pressão sobre o Governo britânico para fazer o mesmo. E a verdade é que o Parlamento Europeu é a favor da criminalização dos clientes das pessoas que se prostituem, por isso parece-me que o caminho tem inevitavelmente de ser o da criminalização do cliente.

Mas pelo que vejo e tenho ouvido sobre o assunto, vamos demorar muito tempo a lá chegar!

Leonor Valente Monteiro 29-07-2015

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